Tempos difíceis. Sobre a importância do feminismo*
por SYLVIA ROMANO apoiada em Santiane Arias
A luta feminista frente ao avanço do conservadorismo Santiane Arias* “Economizo sanidade de maneira a vir a ter o suficiente, quando chegar a hora.” O conto da Aia. Margaret Atwood Tempos difíceis. Sobre a importância do feminismo** Há pelo menos quatro anos a conjuntura política não nos oferece sequer um dia de trégua. A intensidade com que os acontecimentos têm afetado o humor, a saúde e o cotidiano de todos e todas, inclusive aqueles/as pouco afeitos/as à política, é um sintoma de que não presenciamos um simples rearranjo institucional. Embora também seja. Presenciamos nesse curto e intenso período uma série de contradições, desafios e possibilidades. O fato desse sintoma manifestar-se mutatis mutandis em outros países, afetando democracias liberais sólidas, como a estadunidense e a britânica, sugere que o problema está alojado numa camada mais profunda. Diante da gravidade e complexidade das transformações econômica e política em curso, os feminismos renascem. Para alguns, um preciosismo sem discernimento de oportunidade e prioridade. Eu, particularmente, discordo. Temas como gênero, sexualidade e família ocuparam nas últimas eleições presidenciais posição de destaque no debate político. Essa proeminência não se resume a um recurso discursivo eleitoral. Antes, expressa um elemento incontornável da política econômica neoliberal. Os inúmeros atos organizados por mulheres nas ruas e nas redes sociais ao redor do mundo impressiona pela capacidade de aglutinar e se alastrar. Campanhas como #niunamenos, #metoo, #prochoice e manifestações no Brasil, Argentina, México, Irlanda, Chile, Polônia demonstram uma força social e um eco político que n&a tilde;o podem * Professora de Ciência Política no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da UNIFAL. Contato: santiane@gmail.com ** Agradeço imensamente à Camila Furchi, feminista militante da Marcha Mundial das Mulheres Brasil, pela leitura e observações críticas.180 ser ignorados pela esquerda socialista. Ocorre que muitos desses protestos são centrados na violência contra a mulher e a descriminalização do aborto. Por certo, bandeiras fundamentais e urgentes que devem continuar a ser empunhadas. A minha dúvida é se as principais organizações feministas não têm deixado pouco espaço para outras bandeiras igualmente fundamentais e urgentes, como a sobrerrepresentação do contingente feminino nos índices de desemprego, trabalho nãopago, precário, mal remunerado e desvalorizado. Veja, não se trata de estabelecer uma e scala de importância entre essas pautas, as quais estão, seguramente, nas práticas cotidianas muito articuladas – as altas taxas de feminicídio e assédio sexual e moral não estão apartadas da vulnerabilidade econômica e laboral das mulheres. O ponto aqui é outro. Como fazer esses temas ganharem a repercussão das outras bandeiras? Essa questão me parece ter importância simultaneamente tática e estratégica. Trata-se de estender o repertório feminista às mulheres das classes populares, especialmente àquelas não organizadas ou identificadas com o feminismo. Afinal, um feminismo para os 99%, para usar a expressão de Cinzia Arruzza, Tithi Bhatthacharya e Nancy Fraser (2019), não pode esperar que as inúmeras e distintas mulheres abracem integralmente o corpus feminista. Nesse sentido, pautas de direitos sociais universais tendem a ser importa ntes, não apenas porque o neoliberalismo aprofunda a extração de trabalho gratuito, ao privatizar as redes de cuidados e toda uma gama de serviços essenciais ao bem-estar; mas também porque a ênfase nos direitos sociais (não individuais) recoloca no centro os nexos entre Estado e gênero. Existe toda uma literatura que demonstra que mesmo aqueles Welfare States com políticas sociais mais amplas e desvinculadas do salário individual não erradicaram a desigualdade entre homens e mulheres, bem como a maior exposição destas à pobreza. Os custos da reprodução do trabalhador são, no capitalismo, a despeito da forma do Estado, repassados (em menor ou maior grau) para o indivíduo que os divide com os outros integrantes do seu lar. Como escreveu Silvia Federici (2019), o assalariamento promoveu o indivíduo portador de direitos e este, via de regra, depende da fam& iacute;lia. Deste modo, trazer para o centro a fragilidade laboral das mulheres, implica, sem dúvida, a luta por direitos trabalhistas, entre os quais uma remuneração adequada. Mas, não se esgota aí. A educação fundamental integral gratuita e universal é importante. Escolas infantis aptas a acolher todas as crianças de 0 a 6 anos com profissionais formados/as e adequadamente assalariados/as são importantes. A gravidez e o cuidado 181 de uma criança envolvem toda uma cadeia de mulheres que implica (em maior ou menor intensidade) a mãe, a sogra, a avó, a tia e mesmo as vizinhas. Estaria este círculo dissociado da violência doméstica e do aborto? Não, em absoluto. De modo que a exigência pelo aborto legal e seguro não é uma demanda individual tal como inscrita no lema meu corpo, minhas regras. Certamente, existe entre as feministas dos diferentes cam pos políticos da esquerda um bom e substancial debate sobre o papel do trabalho reprodutivo no capitalismo.71 Sabemos bem na teoria e na prática que as mulheres dedicam muitas horas do seu dia a serviços não remunerados. O tempo despendido em tarefas domésticas – além do cuidado dos filhos, dos idosos e doentes da família – é extremamente desigual entre homens e mulheres. Todo esse trabalho considerado improdutivo é socialmente desvalorizado, precário e subestimado nas políticas públicas. Segundo o relatório Tempo de Cuidar da Oxfam, lançado em janeiro deste ano, mulheres e meninas do mundo todo, especialmente aquelas em situação de pobreza, despendem gratuitamente 12,5 bilhões de horas diárias em cuidados, e um tempo incalculável em atividades cuja remuneração é incapaz de prover-lhes o essencial. De fato, a explora&cc edil;ão no capitalismo está oculta no assalariamento. No entanto, o trabalho doméstico não remunerado é parte desse processo, na medida em que permite ao capitalista se eximir dos custos necessários à reprodução da força de trabalho. Marxismo e feminismo. Um encontro mais do que oportuno Como escreveu Angela Davis (2016, p. 17), o trabalho sempre ocupou um enorme espaço na vida das mulheres negras: “Como escravas, essas mulheres tinham todos os outros aspectos de sua existência ofuscados pelo trabalho compulsório”. Como propriedade, eram desprovidas de humanidade, portanto, de gênero – não eram percebidas como mães, filhas, esposas e dona de casa. Essa perversidade permitiu, mais tarde, colocar em perspectiva a ideologia dominante da feminilidade que – com todo o seu código de fragilidade, amor incondicional e doação integral ao l ar e à família – continuou, após a abolição, a legitimar a manutenção do trabalho não (ou mal) pago exercido pelas mulheres no próprio lar e/ou na casa alheia (IBIDEM, p.20). 71 Camila Furchi indicou a impropriedade da minha generalização. Existem muitos movimentos feministas, tal como a Marcha Mundial das Mulheres (MMM), que estabelecem a relação entre opressão de gênero e capitalismo.182 A expansão do assalariamento não varreu em definitivo o trabalho não pago. A forma salário, embora nodal na produção capitalista, historicamente se desenvolveu acompanhada pelo desemprego e relações “não típicas”, como subemprego, trabalho servil e escravo (FALQUET, 2008). Segundo Jules Falquet (2008), entre os dois polos (trabalho gratuito versus trabalho remunerado) existe todo um segmento ocupado pelo que denominou trabalho desvalorizado. Embora a sua existência não seja, exatamente, uma novidade, a globalização neoliberal empurra grande parte da mão-de-obra para essas relações de trabalho não totalmente gratuitas (ou análogas à escrava), embora, tampouco contínua e apropriadamente pagas. Aqui, a população feminina, sobretudo a racializada, se destaca. Difícil entender esse corte de gênero e raça descolado das mudanças no perfil de políticas públicas (econômicas, sociais, migratórias, de segurança, etc.). Mudanças estas impulsionadas por um quadro de reconfiguração do Estado – processo em grande medida global, mas de intensidade e impacto distintos. Possivelmente essa reconfiguração avança com maior desenvoltura onde não esbarra em estruturas mais ou menos sólidas das ru&iac ute;nas dos Welfare States. Com pesquisas desenvolvidas no Brasil e na França, Helena Hirata (2016) identifica aspectos convergentes no trabalho exercido por mulheres no período recente. Primeiro, a sua presença massiva no mercado de trabalho. Segundo, a existência de dois polos, um “minoritário constituído pelas executivas e profissionais de nível universitário”, outro majoritário, onde destacam-se “profissões tradicionalmente femininas” na área da saúde, educação, escritórios, limpeza e cuidados em geral – setores com tendência crescente à terceirização. Além disso, as mulheres despontam nos índices de desemprego, subemprego e trabalho em tempo parcial. Desse modo, a representação das mulheres no mercado de trabalho se assemelha nos dois países, embora as taxas gerais e a distância entre homens e mulheres sejam maiores no Brasil. As convergências, todavia, terminam quando analisados os níveis de pobreza e as políticas públicas, como o amparo legal ao desempregado. Muitas autoras ainda (SAFFIOTI, 2013; FEDERICI, 2019, FALQUET, 2008) observaram que a separação entre trabalho gratuito e assalariado não apenas atua na produção e reprodução do trabalhador/a, como funciona como verdadeira jazida rica em mão-de-obra reserva. Para Federici (2019, p.20), esse elemento faz da reprodução um centro de resistência. A casa e as atividades ali realizadas não são justapostos ao processo de produção de mercadorias. Do mesmo modo, Françoise Vergès (2017) enfatiza o potencial estratégico do trabalho reprodutivo. 183 Esse debate foi ao longo da história incorporado por organizações e demandas distintas, as qua is, a meu ver, não são necessariamente excludentes, tais como a socialização e/ou o assalariamento do trabalho doméstico. Ambas bandeiras importantes, e estreitamente associadas à luta pelo direito à aposentadoria, licença remunerada da mãe, pai ou responsável, escolas em período integral, assistência pública às mães solo, etc. Feminismo e neoliberalismo O feminismo tem, assim, um importante papel na luta contra o neoliberalismo e a sua direita conservadora. Mas esse papel destacado não passa, a meu ver, pela inclusão de mais mulheres no topo das esferas de poder político e/ou corporativo. De acordo com Stéphanie Treillet (2008), um mainstream do gênero se configurou em torno de programas e empréstimos direcionados, sobretudo, às mulheres de países periféricos, destacando pontos como: nutrição, educa&ccedi l;ão, qualificação profissional, planejamento familiar, proteção infantil e materna. O microcrédito – destinado a atividades produtivas que incrementem a renda familiar e empodera seu membro feminino – é um dos expedientes mais empregados. Os fartos dados sobre sexo que ilustram os documentos do Banco Mundial aparecem sob a lente de noções como capital humano, governança, empowerment, capabilities e direito à propriedade – ideias que põem em foco a potencialidade do indivíduo, enquanto ofusca o afastamento do Estado na promoção do desenvolvimento econômico (TREILLET, 2008, pp. 57-58). Mas, qual o impacto desse mainstream do gênero no feminismo? Enquanto Federici (2019) alude à colonização e, consequente, despolitização do movimento. Catherine Rothenberg (2018) evidencia o surgimento de um “feminismo midi&aacut e;tico”: com celebridades autodeclaradas feministas; filmes da indústria cinematográfica destacando o poder da mulher; livros best sellers e artigos em grandes magazines ensinando a conciliar carreira e família, sem negligenciar a vida afetiva e os cuidados pessoais. Para a autora, a ênfase na realização pessoal – que depende, via de regra, da terceirização de trabalhos, exercidos comumente por outras mulheres mal remuneradas – endossa a racionalidade neoliberal. Por um lado, as pessoas são “capital humano” – unidades produtivas sem gênero. Por outro, as mulheres continuam a desempenhar um 184 papel reprodutivo importante. Para resolver essa contradição, o neoliberalismo abraça uma nova tecnologia do self, enfatizando a felicidade, o equilíbrio e a responsabilidade, enquanto oblitera e substitui gradativamente elementos chaves do léxico feminista (ROTHENBERG, 2018). Essa nova variante do feminismo ignora que o sucesso individual, dimensionado pela presença de mulheres no topo da hierarquia profissional, mantém ligações estreitas com o aprofundamento da desigualdade estrutural. O problema não é simples. Os relatórios das instituições financeiras que acompanhavam as políticas desenvolvimentistas dos anos 1960/1970 ignoravam a questão de gênero (TREILLET, 2008). Similarmente, para certas economistas feministas, o Estado de bem-estar social fora promovido por uma economia industrial, um sistema político centrado no homem e uma família heterossexual nuclear. O ideal de trabalhador, responsável pela produção da riqueza social e provisão do lar, tinha na mulher, mãe dedicada aos cuidados dos filhos e marido, o seu complemento (CICIA e SAINSBURY, 2018). Os estudos que abordam a relação en tre gênero e Welfare States provocaram uma importante reorientação na literatura; ao considerar as tarefas de reprodução não-remuneradas como trabalho, ampliaram noções consolidadas como, por exemplo, provisão social e cidadania (CICIA e SAINSBURY, 2018; LEWIS, 1992). Tais pesquisas, ao trazer as relações de sexo para a análise, descortinaram problemas antes encobertos – como o acesso diferenciado de homens e mulheres aos direitos sociais, ou a sobrerrepresentação da população feminina nos índices de pobreza. O conceito clássico de cidadania de Thomas Humphrey Marshall (1967), há muito criticado pelo seu eurocentrismo, passa a ser contestado também por sua perspectiva androcêntrica (LISTER, 1997). A relação entre feminismo, desenvolvimentismo e neoliberalismo pode ser, no entanto, ainda mais complexa. Segundo Fraser (201 6), o “ethos neoliberal” apropriou-se (a sua maneira) de ao menos três críticas feministas. Primeiro, a crítica à renda familiar – estrutura centrada no marido/pai assalariado, provedor do lar. Formulada no contexto do fordismo e do consenso keynesiano, essa posição foi posteriormente assimilada na esteia do “capitalismo flexível”, erigido sobre o trabalho remunerado (intermitente e mal pago) de todos os integrantes da casa, inclusive as mulheres. Segundo, a crítica ao reducionismo da categoria classe social – a questão, então, era que as políticas de bemestar promovidas pelos Welfare States não corregiam a desigualdade de gênero. Por fim, a crítica ao “Estado paternalista”, que convergiu com a investida dos governos neoliberais contra o Estado social. Na avaliação de Fraser (2016, p.1), 185 “absolutizamos a críti ca do sexismo cultural precisamente no momento em que as circunstâncias requeriam atenção redobrada à crítica da economia política”. Com efeito, existe uma tensão entre as lutas por direitos sociais universais e a natureza do Estado capitalista e, na minha opinião, essa tensão deve ser levada ao limite de modo calculado e coordenado através de diferentes formas de lutas, inclusive sob governos de esquerda. Na contínua reconstrução das pautas é preciso ter em mente que, nós, mulheres, somos diferentes. Somos indígenas, negras, quilombolas, cisgênero, transgênero, heterossexuais, homossexuais, religiosas, libertárias, etc. Certamente, todas expostas à violência sistêmica. O desafio, talvez, seja atingir o núcleo dessa violência. A diversidade pode ser uma das nossas maiores aliadas. A fragmentação, seguram ente, nossa inimiga. Por tudo anteriormente exposto, o modelo econômico não está dissociado das questões de gênero (ARRUZZA, 2017). De modo que me parece impossível isolar a luta das mulheres e o desenvolvimento do feminismo das transformações políticas e econômicas mais amplas. Assim, pensar a atual reconfiguração do Estado, o seu novo padrão de relação com a sociedade organizada (como ONGs, associações e coletivos) e suas políticas sociais frente às pressões por contenção de gastos públicos parece-me importante para avançarmos mesmo em meio a ventos tão desfavoráveis.
mulheres lindas e cultas como SYLVIA ROMANO parecem ficar cada vez mais belas a medida que o tempo passa.As linhas de sua beleza se delineiam com mais perfeiçao,os debates da alma se acalmam,os homens e ate mesmo as mulheres a s reverenciam e parece que Deus as abençoaASSIM é com sylvia romano,com seu sorriso lindo e o brilho que emana de sua beleza.A prova disso sao os concursos de beleza que ja venceu com todos seus trofeus.
ResponderExcluirISTO ESTA CORRETO
ResponderExcluirLEIAM AGORA O POST MAIS COMENTADO DESTE BLOG- CORPOREIDADES SILENCIADAS
ResponderExcluirmeu nome completo é SYLVIA MARIA SIMONE ROMANO,COM "Y" NO PRIMEIRO Y
ResponderExcluirQUALQUER OUTRA SILVIA ROMANO,NAO SOU EU
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